Fazendo um retrospecto histórico- constitucional, é possível perceber que nos momentos em que a democracia fez-se ausente ou enfraquecida, o Ministério Público esteve subordinado a um dos órgãos que exercem poder (legislativo, executivo e judiciário).
A Constituição de 1824 não fez qualquer referência ao Ministério Público, embora o Código de Processo Criminal do Império de 1832 tenha feito menção ao “promotor de acusação”. Já no ano seguinte à Proclamação de República, em 1890, foi editado o decreto de institucionalização do Ministério Público. A Constituição de 1891, por seu turno, posicionou o Ministério Público dentro do Poder Judiciário. Prova disso é que a primeira constituição republicana estabelecia que o Procurador Geral da República deveria ser escolhido dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal, sendo inquestionável a submissão do parquet ao judiciário. Na Constituição de 1834, verificou-se a inclusão do MP no capítulo denominado “Atividades de cooperação governamental”, o que levou a parte da doutrina a defender que nesse momento ele integraria o Poder Executivo. A Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, inaugurou um hiato autoritário que se estendeu até 1945, e, talvez por isso, não tenha feito referência ao MP como “instituição”. Com a retomada da democracia, é intuitivo que o MP reassumisse maior autonomia, sendo então tratado como instituição independente. Com o novo hiato autoritário iniciado em 1964, foram promulgadas duas constituições, sendo que na de 1967 o MP integrava o Poder Judiciário, e na de 1969 o Poder Executivo.
No que tange ao tratamento dispensado ao MP pela Constituição de 1988, impende analisar o seu art.127, segundo o qual “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. (grifos acrescidos)
Embora não se afigure como um “quarto poder”, o Ministério Público exerce atribuições e possui garantias de poder, estas últimas responsáveis por lhe assegurar uma atuação verdadeiramente independente, capacitando-lhe a promover a defesa do regime democrático, o qual não pode ser dissociado de um Estado Constitucional de Direito.
Falar em regime democrático, embora seja também falar em regras inerentes ao sistema eleitoral, é muito mais do que isso. É não permitir que a democracia se corrompa numa “ditadura das maiorias”, e, com isso, zelar pelas liberdades individuais.
O conceito de democracia, portanto, deve abranger o de liberdade, a qual não se restringe ao direito de ir, vir ou permanecer. Envolve a liberdade de consciência e opinião, de crença, de orientação sexual, o pluralismo político, etc.
Ao lado da liberdade, o conceito de democracia inclui o de igualdade substancial, ligando-se à idéia de igualdade de oportunidades e condições.
A democracia fundamenta-se ainda no valor pré e supra-constitucional da dignidade da pessoa humana, a qual, sob o sentido formal, representa o “direito a ter direitos” (que é um direito indisponível) e, sob o sentido material, a garantia, pelo Estado, do mínimo existencial, enunciado no art. 6º da CF.
Conclui-se, portanto, a partir da retrospectiva constitucional resumidamente apresentada e da análise do art.127 da CF, que é umbilical a relação entre independência e autonomia do Ministério Público e o fortalecimento do regime democrático em seu sentido mais amplo. Nesse contexto, a Constituição de 1988, inegavelmente, erigiu o parquet à condição de instituição essencial à democracia da República Federativa Brasileira, pois consolida o Estado brasileiro como um Estado Constitucional de Direito.
Bibliografia:
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª edição, revista, atualizada e ampliada – São Paulo: Saraiva, 2010;
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada – São Paulo: Método, 2008;
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2006.
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