Páginas

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Pode o legislador infraconstitucional vedar a concessão de tutela de urgência em ações constitucionais?

Pode a legislação infraconstitucional vedar a concessão da tutela de urgência em ações constitucionais?


As ações ou remédios constitucionais inserem-se no âmbito das garantias constitucionais, que, por seu turno, abrangem além de tais ações, os princípios constitucionais (tais como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e a inafastabilidade da jurisdição) e os demais instrumentos protetivos dos direitos declarados no texto constitucional. Apenas a título de ilustração, é possível vislumbrar garantias previstas no mesmo dispositivo no qual o direito por ela é enunciado, de modo a não se restringir as garantias constitucionais, por óbvio, às ações constitucionais.

Tamanha é a importância destas garantias que, como bem pontua Geisa de Assis Rodrigues, “o direito e a sua garantia instrumental guardam para usa própria existência uma verdadeira relação de interdependência” . Ainda nessa linha, o professor Pedro Lenza é preciso ao conceituar tais garantias como “instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados” .

De fato, pouco relevância prática haveria em ser prever direitos sem o correspondente meio de repúdio a sua eventual agressão, o que enseja a conclusão de que a ameaça ou efetiva violação a um direito constitucionalmente tutelado possui a mesma gravidade para a harmonia da ordem jurídica quando a extinção do seu instrumento garantidor.

No particular, tem-se que as ações constitucionais, espécies que são de garantias fundamentais, constituem ainda garantias individuais, previstas expressamente no art.5º da Constituição Federal (Habeas Corpus – inciso LXVIII, mandado de segurança – inciso LXIX, mandado de injunção – inciso LXXI, habeas data – inciso LXXII e ação popular – inciso LXXIII) . E é justamente por ostentarem esta condição que estas ações recebem especial proteção do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal, responsável por erigi-las ao patamar de cláusulas pétras, razão pela qual não pode sequer ser objeto de apreciação a emenda constitucional tendente a aboli-las .

É de se inferir que esta especial proteção conferida pelo constituinte originário a estas ações, decorra, dentre outras razões, da representatividade destas na configuração da ordem jurídica democrática, propiciadoras do controle judicial antes as ilegalidades e abusos de poder perpetrados pelo Estado em detrimento do particular. É estreita, por conseguinte, a relação entre democracia e ações constitucionais.

Mais uma vez, é esclarecedora a lição de Geisa de Assis Rodrigues ao afirmar que “ é cediço que as ações constitucionais garantem a existência dos direitos e liberdades fundamentais e, por isso, demandam o mesmo regime constitucional (...). Não se admite, portanto, reforma que exclua ou tenda a excluir as ações constitucionais concebidas pelo constituinte em nosso regime” .

Com efeito, padecerá de inconstitucionalidade material toda interpretação ou regulamentação das ações constitucionais que promovam uma limitação indevida à norma inconstitucional. Isto porque, se não foi dado ao constituinte derivado prever normas tendentes a abolir tais ações, tampouco o intérprete ou o legislador infraconstitucional poderão fazê-lo.

Feitas estas observações, indaga-se sobre a possibilidade de norma infraconstitucional vedar a concessão de tutela de urgência no âmbito das ações coletivas.

Para tanto, há que se questionar se tal vedação implicaria em medida tendente a abolir garantias individuais ou tratar-se-ia, apenas, de uma norma limitadora destas. A questão perpassa sobre a delicada tarefa de definir o núcleo intangível das garantias individuais.

O tema foi analisado pelo SFT, no julgamento da ADI – Medida Cautelar 223 que apreciou a constitucionalidade de norma que vedava a concessão de medida liminar em ação constitucional, prevalecendo o entendimento no Ministro Sepúlveda Pertence, segundo o qual não haveria qualquer inconstitucionalidade no fato da lei geral fazer uma limitação, ressalvando, contudo, que no caso concreto poderia restar configurada a inconstitucionalidade da restrição, estando o juiz de primeiro grau livre para apreciar a lide e eventualmente prover a tutela de urgência.

É certo que dificilmente se poderá estabelecer a priori se determinada norma geral e abstrata é limitativa ou tendente a abolir um direito ou garantia individual. Contudo, com a devida vênia ao entendimento da Corte Constitucional, a vedação à tutela de urgência em ações constitucionais revela-se medida excessivamente drástica e, ao que parece, agressora da cláusula pétrea protetiva dos direitos e garantias individuais.

O entendimento do ilustre Ministro deixa transparecer, a despeito da ausência de um julgamento definitivo do STF sobre a questão, uma tentativa de flexibilização de eventual posicionamento em qualquer dos sentidos, de modo que a aferição da constitucionalidade da vedação somente poderia ser feita in concreto, pautando-se na razoabilidade e proporcionalidade da medida em cada situação. Noutras palavras, tais limitações só subsistem se forem razoáveis e proporcionais.

Ainda assim, não se pode desconsiderar que a previsão do parágrafo primeiro do artigo 5º da Constituição Federal estabelece que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (nas quais incluem-se os direitos e garantias individuais) têm aplicação imediata e, assim o sendo, também a sua proteção e garantia devem revestir-se de imediatidade, o que somente poderá se fazer por medidas de urgência. Ademais disso, a própria Constituição admite a tutela preventiva dos direitos fundamentais. Ora, se estes direitos merecem proteção antes mesmo de serem violados, não há sentido em se lhes retirar a tutela de urgência, que em regra é posterior à violação.

Conclui-se, por conseguinte, que não há como se vislumbrar razoabilidade numa previsão que vede a concessão de tutela de urgência em ações constitucionais.

Bibliografia:
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª edição, revista, atualizada e ampliada – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 741.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada – São Paulo: Método, 2008, p. 90.
RODRIGUES, Geisa de Assis. Reflexões em Homenagem do Professor Pinto Ferreira: As ações constitucionais No Ordenamento Jurídico Brasileiro. Material da 2ª aula da Disciplina Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, Ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Constitucional – Anhanguera – UNIDERP| REDE LFG.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2006, p. 583.

Um comentário: